Embora a fé seja, enquanto tal, mais um ato da vontade, é preciso entender o seguinte. Isto é verdadeiro do ponto de vista dos conhecimentos humanos, mas insuficiente no caso da relevação.
A fé teologal não é uma “crença” tal como o Iluminismo nos fez entender, até hoje. Não é um ato que o homem faz de si para si, mesmo desejando ou esperando firmemente que o objeto da crença se confirme. Se é só isso, a religião, de fato, é meramente um tentativa humana de religar com algo maior, tendo em cada cultura uma experiência igualmente legítima, mas que não passa de humana.
A fé teologal, sim, é um ato da vontade porque para crermos em algo que ultrapassa nossa natureza, por definição, é necessário mais a vontade do que a inteligência. No entanto, há nela um detalhe, esse ato da vontade é dirigido pela inteligência também. Só que não pela inteligência humana, mas pelo Verbo, pela inteligência divina. Quando há o ato de fé, a vontade adere a uma realidade que foi iluminada por Deus ao modo da inteligência humana.
É diferente da investigação normal da inteligência, que para chegar à verdade primeira, que é Deus, precisa usar dos sentidos, das coisas à volta, de sua própria natureza, até concluir que há um Deus. Mesmo essa conclusão racional não é um conhecimento propriamente de Deus, mas o conhecimento das coisas criadas exigem um Deus criador. Deus já move, aqui, a inteligência, mas pelas coisas criadas, não sendo ele mesmo, diretamente, a causa desse ato de conhecimento.
No caso do ato de fé, há esse conhecimento de Deus não por via indireta, mas por via eminentemente direta. Tal como Santo Tomás diz, pelo ato de fé a inteligência é movida diretamente, sem intermediários ou causas segundas, pela verdade primeira. Além disso, num ato verdadeiramente pleno de fé, não só se dá esse movimento, como a própria inteligência percebe em si mesma que está sendo movida por uma luz superior. É por isso que, numa situação dessas, a vontade é movida com muito mais violência à adesão ás coisas que Deus revelou, pois se percebe sua razão de ser em Deus.
De modo que podemos concluir inequivocamente que o ato de fé, quanto mais pleno, torna a razão, em seu ato próprio, muito mais plena.
Numa concepção iluminista, a fé é meramente uma luz muito tênue e fraca que dá lugar, no percurso da iluminação, à luz límpida da razão. No âmbito da razão enquanto razão isso é verdade. Mas ocorre que interpretar a fé nesse nível significa confundir o princípio de movimento desse ato - o que é ligeiro erro metodológico -, que não pode ser humano, pois do contrário não poderia ser sobrenatural.
Por irônico que pareça, os verdadeiros iluministas eram Santo Agostinho, São Boaventura, que entenderam perfeitamente essas distinções, a ponto de concluírem tratar-se a fé de uma luz superior.
Para confusão dos soberbos, Deus fez com que só notassem isso quem já antes tivesse feito o ato de fé, que, como disse, em sua origem, supõe uma vontade que se entrega a algo superior, vendo só depois, e durante, o que é essa luz superior. De modo que os soberbos, não tendo esse ato, interpretam a fé ao seu modo próprio carnal.
De todo modo, isto não impede que a razoabilidade dessa superioridade seja defendida nos próprias termos da razão, sem recorrer-se à revelação. Ainda assim, para isso ser efetivo, seria necessário um mínimo de capacidade de intelecção das essências das coisas e, consequentemente, uma postura sincera perante a verdade.